terça-feira, 29 de julho de 2008

A Serenata na Academia do Porto

Na cidade do Porto foi hábito frequente realizar serenatas ao longo da segunda metade do século XIX. Guitarristas, cantores, grupos amadores, animavam as ruas do burgo na época estival, com incursões às praias de Espinho, Granja, Leça da Palmeira, Apúlia, e termas das Caldas de Vizela e Pedras Salgadas.

Quando em 7 de Dezembro de 1888 a Estudantina de Coimbra (Tuna) se deslocou ao Palácio de Cristal, uma banda de amadores locais brindou os tunos com uma serenata junto ao Hotel Universal.

O guitarrista, cantor e compositor Reinaldo Varela, nascido em Ponte de Lima no ano de 1867, domiciliou-se na cidade do Porto por volta de 1883, na qualidade de professor de instrumentos de corda, guitarrista e cantor. Aí viveu até cerca de 1900, altura em que passou a residir em Lisboa. Bem relacionado, presença assídua nas praias, termas, teatros e salões, Varela recordava ao periódico “A Canção de Portugal: O Fado”, nº 12, de 18 de Junho de 1916, que nas décadas de 1880 e 1890 se realizavam no Porto “serenatas afamadas”.

César das Neves, professor de música no Liceu da Ordem do Carmo, autor de um método de guitarra e recolector do “Cancioneiro de Músicas Populares” (1893-1895-1898), publicou em 1902 um “Compêndio de Musica, solfejo e canto coral para alunos de ambos os sexos” (Porto, Livraria Portuense de Lopes & Companhia, 1902), onde transcreve canções da sua própria autoria destinadas a serenatas (Canção Fluvial, Pôr do Sol, Crepúsculo).

Entre finais do século XIX (década de 1890) e a década de 1920, a casa portuense "Eduardo da Fonseca. Armazem de musica, pianos e outros instrumentos", sita na Praça de Carlos Alberto, nº 8, lançou no mercados profusas edições de partituras em folheto volante e em brochuras de 12 peças impressas. Estas edições podiam ser compradas localmente ou encomendadas através de cobrança postal, servindo clientelas do Porto, Coimbra, Lisboa, tunas rurais e urbanas, serenateiros, professores de música, orquestras ligeiras activa em casinos, ensaiadores provinciais de teatro amador e ambulante, filarmónicas e serões familiares ao piano.

Na 1ª série destaquemos a versão primitiva do "Fado Serenata do Hylario" (Ouvi dizer ao luar). Na 2ª série encontramos o "Fado das Três Horas" (Murmura, rio, murmura), e o "Fado Boémio" (Guitarra, minha guitarra) de Varela. A 3ª série integrava "Canção d'Amor" (Já cantam os trovadores), "Fado Monte Estoril" , "Fado Apuliense", "Fado Novo de Coimbra", "Pallidas Madrugadas", e "Fado de Braga". Este tipo de brochuras estava no auge da moda, oferecendo à clientela um repertório eclético constituído por fados tipo Lisboa, temas no estilo da Canção de Coimbra e raríssimas canções populares. Na verdade, o título, em letras garrafais, apostava na publicidade enganosa ao anunciar "12 cantos populares". As melodias vendidas por Eduardo da Fonseca não eram recolhas folclóricas, mas sim repertório eclético urbano de autor, expressamente produzido para consumo urbano, formatado e tornado acessível através da harmonização para piano.

E se alguns autores tinham ficado anónimos, outros eram bem conhecidos do grande público como um Augusto Hilário, um Reynaldo Varela ou um Manassés de Lacerda. A prática da guitarra e dos temas de serenata conheceu nova vaga com a fundação da Universidade do Porto.

Pela década de 1920 mantinham-se activos diversos nomes, entre eles Luís Eloy da Silva e a formação do cantor Carlos Leal (com discos gravados). Por 1936/1937 actuava regularmente no Porto um grupo musical (Os Samedo), de cujo repertório faziam parte “Rendilheiras de Vila do Conde” e “À Meia Noite ao Luar”. O último espécime foi trazido para Coimbra por estudantes portuenses, por volta de 1937, e ali aclimatado localmente pelo cantor Manuel Simões Julião.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A Tuna Académica do Porto entre 1864 e 1909

Datam de 1864 as primeiras notícias de um agrupamento deste género no Porto.

Em 1890 a Tuna Académica do Porto, sob a direcção de Raul Laroze Rocha, apresenta-se em Salamanca e Madrid. Mais tarde, no Carnaval de 1897, realiza nova digressão a Espanha, apresentando-se em Santiago de Compostela, sob a regência de Carlos Quilez.

Em 1899, participa nas comemorações do primeiro centenário do nascimento de Almeida Garrett, sob direcção de Henrique Carneiro. Passado um ano, em Janeiro de 1900, a Tuna instala-se na rua dos fogueteiros e da regência encarregam-se, sucessivamente, os maestros Sousa Morais e Costa Carregal. Apresenta-se em Março, perante a Academia do Porto, e efectua vários recitais em Lisboa. Em 1902 visita a Galiza, onde mais tarde tornará, em 1909, já sob a direcção de Prazeres Rodrigues. Entretanto é criado a 6 de Março de 1912 o "Orpheon Académico do Porto". Em 1913 a regência passa para Marcos António da Silva

A 6 de Fevereiro de 1881 é interpretado pela 1ª vez o "Hino Académico do Porto" do Dr. Aires Borges. Em 1909 sob a direcção de Prazeres, desloca-se à Galiza - a que se reporta a foto acima, datada desse ano e dessa mesma digressão.

Em carta enviada ao O.U.P. a 10 de Julho de 1959, por José Dórdio Rebocho Paes e publicada no jornal do Orfeão seguem as seguintes palavras e sobre essa mesma digressão à Galiza:

" Em 1891 havia aí no Porto três grupos musicais. O mais importante era a Tuna Académica de que eu fazia parte. O seu reportório não era muito vasto e cantava a "Gioconda", "Entreacto de Carmen", " Serenata de Gounod", "Serenata de Bandolim", etc etc. Fizeram-se grandes excursões a Braga, Viana do Castelo, Aveiro e Ílhavo. Deram-se vários concertos no Teatro Principe Real [1] tendo colaborado num destes Guerra Junqueiro, recitando versos seus no Palácio de Cristal, em matinée.

...em 1890 fez-se uma excursão a Salamanca e Madrid, que foi acompanhada por vários estudantes adidos de Lisboa e Coimbra. Tocamvam-se os dois hinos, o português e o espanhol e dois ou três pasacalles. A Viagem foi triunfal principalmente em Salamanca, o Teatro Eslava foi entusiaticamente aplaudido. Em Madrid não fomos tão bem recebidos pois e dizia que iamos lá por motivos politicos. No entanto houve reunião no Anfiteatro da Faculdade de Medicina, onde se discursou com entusiasmo e no hotel onde nos instalamos fomos cumprimentados por Salmeron [2].

Visitamos todas as faculdades, o Museu do Prado e houve um beberete "en honor de los estudiantes portugueses". Foi-nos oferecido pelo Dr. Esquizinho, neurologista distinto, um almoço no seu manicómio em Carabanchel, próximo de Madrid, correndo entusiásticamente."

A. da Costa refere no Jornal Porto Académico no artigo "Dos tempos que já lá vão" e sobre a digressão de 1909:

" Marcado o dia da largada, na hora da partida lá estavam todos na Estação de São Bento com os instrumentos, a bandeira da Tuna tufada de fitas cujo colorido era um grito de alegria no meio das Capas Negras daquela embaixada de aventura e da mais ridente gaia Lusitana. A viagem foi farta em peripécias e anedotas cheias de graça. Quando atravessamos a fronteira mais nenhum de nós falou português e a língua de Cervantes era "esfaqueada" a propósito de tudo e de nada [3]. Quando chegamos a S. Tiago de Compostela toda a cidade académica estava à nossa espera na estação e as saudações redobravam de entusiasmo, a que nós correspondiamos com todo o calor e vibração da alma portuguesa que levava à Galiza amiga o abraço generoso da gente de Portugal.

A Tuna formou a custo sob a regência do Prazeres e ao som dos acordes do Hino Académico rompeu a marcha pelas calles de Compostela entre vivas, palmas e flores a caminho do Ayuntamiento para cumprimentos ao Alcaide. Durante o percurso, das janelas e das varandas, as flores caíam sobre a Tuna, abriam-se sorrisos em bocas frescas das mulheres de Espanha; cobriam.se olhares de curiosidade e de ternura que faziam vibrar, sob as nossas Capas Negras, as nossas almas juvenis."




[1] Actualmente Teatro Sá da Bandeira.

[2] Nicolás Salmerón Alonso foi Presidente da então Republica Espanhola, em 1873.

[3] Curioso como nada se altera hoje em dia e olhando para trás.

Fonte: Contracapa do CD "Um Percurso".

Tuna Académica do Porto 1897

Tuna Académica Porto, 1897 Repare-se no número 55, Álvaro de Sousa e sua legenda......