quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Tuna Feminina do O.U.P. 1988



Entrevista a uma das fundadoras da TunaF, Margarida Paula Salgado - a quem agradeço a simpatia e colaboração  - que nos deixa as seguintes memórias sobre a génese da Tuna Feminina do Orfeão Universitário do Porto.






1) Como foi, então, à época, o processo de fundação da Tuna Feminina do Orfeão Universitário do Porto?


MPS -A Tuna Feminina (TunaF) não foi formada como tal, ou seja como tuna. Foi antes uma brincadeira cujas consequências foram, de todo, imprevisíveis.

A inclusão de uma tuna nos espetáculos do OUP foi um desejo da Direção de 1984/85. À época não havia tuna no OUP; apenas havia tuna na AAOUP (Associação dos Antigos Orfeonistas da UP).

Deste modo começou-se a ensaiar alguns temas com o antigo orfeonista entretanto falecido, Lauro Paupério. Era uma tuna que se apresentava de modo “tradicional” (1ª fila sentada, 2ª fila de pé…) e nela se incluíam orfeonistas que tocassem ou “arranhassem” qualquer instrumento, fossem rapazes ou raparigas. Não teve um percurso muito consistente e a tuna acabou por apenas servir para finalizar os espetáculos do OUP com os “Amores de Estudante”.

O que é certo, quando se decidiu mesmo formar uma tuna no OUP, (julgo que a ideia foi até reforçada com uma ida do Tozé Vasconcelos e mais alguém a Cádis, onde tiveram a oportunidade de ver e entender o espírito das tunas académicas espanholas) ela era mista pois integrava quem nela quisesse participar ou soubesse tocar algum instrumento.

Nunca houve qualquer mau estar, que eu sentisse, em relação a haver mulheres na tuna que à data, seriam umas três ou quatro…. Parecia ser tudo aceite com muita naturalidade.

Pessoalmente participava em todas as saídas e brincadeiras, inclusivamente nas serenatas que os colegas decidiam fazer aos lares femininos. Apenas me recatava um pouco…. Estive no batismo da Tuna e assinei a fita do estandarte; toquei nos primeiros FITU’s, fui ao Festival de Tunas “Ciudad de Burgos”,… E nunca me senti mal por isso nem fui mal tratada ou excluída.

Entretanto havia uns tantos tunos que namoravam com outras tantas meninas que não pertenciam à Tuna… É natural que essas não gostassem tanto da brincadeira e, obviamente, iam reclamando…. E, segundo sei, eles lançaram-lhes o desafio para também fazerem serenatas. Se o conseguissem, eles iriam para a Baixa em cuecas!...

Foi assim que surgiu a ideia, não de fazer uma tuna, mas de ensaiar umas musiquinhas para fazer uma serenta…

E assim foi! Como eu era daquelas que “alinhava” sempre em tudo também fui incluída na brincadeira. Escolhemos 3 músicas: uma delas (a “Queda do Império” do Vitorino) cantada por mim e com letra alterada mas apropriada para o efeito, outra com letra original mas adequadíssima (“Que diferença a mulher, do homem, tem? Espera aí, que eu vou dizer, meu bem…”) e uma terceira, de cariz popular.

Entretanto, sabendo-se que um grupo de raparigas andava a ensaiar umas coisas, inclusivamente a aprender a tocar instrumentos com umas dicas dadas pelos próprios elementos da tuna, fomos convidadas a participar no Sarau Cultural da Queima das Fitas de 1988, no dia 1 de maio, no Cinema Vale Formoso.

Foi assim a primeira atuação daquele grupo, que na época não tinha a designação de tuna, nem qualquer pretensão de ter, mas que o Jornal Universitário (JU) refere como tal na sua edição de Junho de 1988: “Também a manifestação mais académica da noite esteve ligada ao ORFEÃO com a apresentação de uma tuna unicamente constituída por mulheres, pois embora ainda não ligada no nome as suas componentes são todas desta “casa”!”

Esse grupo feminino manteve-se junto apesar de não participar regularmente nos espetáculos do OUP. Viria a fazê-lo no Sarau Anual do OUP de 1989.

No entanto, volta a marcar presença na Queima das Fitas de 1989, abrindo o II Festival Internacional de Tunas Académicas, no Coliseu. A esse propósito “O Comércio do Porto”, na sua edição de 14 de maio de 1989, refere “A abertura coube à Tuna Feminina do Orfeão Universitário do Porto, com 21 elementos.”

Acrescento que, nesse ano, foi feita a tal serenata, ao José Alberto Frias Bulhosa, Magister da Tuna Universitária, aquando da festa do seu aniversário. Mas, que eu saiba, os rapazes nunca foram para a Baixa em cuecas. Ou melhor, eles dizem que sim, pois quando lá vão, vão sempre com cuecas….. ;)






2) Tratou-se de algo quase inevitável, uma espécie de rebelião feminista orfeónica ou então um simples acto de criação de algo que faltava ao elenco do espetáculo do O.U.P.?


Como já referi, tudo não passou de uma brincadeira por causa de uma aposta. Nunca houve aquela pretensão de formar uma tuna feminina em oposição à dos homens, muito menos para colmatar qualquer lacuna no panorama cultural e artístico do OUP como tantas vezes ouvi. Não! Foi um mero acaso que levou a resultados inesperados. Longe de nós que tal iria originar o “boom” de tunas que a partir daí se verificou!

Evidentemente que, uma vez formada e com consistência, ela passou a fazer parte do espetáculo do OUP, quanto mais não fosse, diversificando-o. E, obviamente, as raparigas foram, com toda a naturalidade, abandonando a Tuna Universitária.





3) Encontraram resistências, então? Internas, externas?


Pessoalmente, nunca me apercebi de qualquer tipo de resistência ou crítica relativamente à formação de uma tuna feminina. É até natural que houvesse um ou outro comentário mais apimentado mas nada que nos afetasse ou atingisse. Alem disso, o OUP já era um agrupamento misto pelo que a participação de homens ou mulheres no espetáculo era até encarada como coisa normal.

Externamente, enquanto lá estive, também não me lembro de qualquer tipo de resistência ou incómodo. Acho que porque era tudo muito novo e inesperado. A primeira apresentação, em 1988, quando a Tuna ainda não era considerada tuna, foi uma surpresa de que ninguém estava á espera mas, aquando da abertura do II FITA, recordo uma bocas que se ouviram no Coliseu a mandarem-nos coser meias, ir tomar conta das panelas e coisas do género…. E também choveram umas moeditas!...




4) O processo evolutivo foi algo solitário – dado quase não existirem tunas femininas então – ou, noutro sentido, foi colmatado pela envolvência do próprio O.U.P.?


No meu entender, acho que a evolução da TunaF foi um processo solitário. Numa época em que quase não havia outros grupos académicos era natural que nós, orfeonistas, vivêssemos muito virados para o interior do OUP, alheados ao que se passava fora, no ambiente das faculdades.

Por outro lado, o OUP procurava diversificar os seus espetáculos e o surgir de um grupo novo era sempre bem-vindo. Aliás, nem sequer era estranho porque houve diversos grupos que apareceram e desapareceram no Orfeão. Talvez, naquela época a Tuna feminina fosse mais um deles… Sem qualquer pressão ou obrigatoriedade de existir como se fosse um dos grupos base do OUP. Por isso, acho que a TunaF nasceu, foi acolhida e cresceu dentro do OUP.


5) Existem certamente momentos únicos na vida da Tuna Feminina do O.U.P. Quais foram?


Infelizmente não vivi os grandes momentos da TunaF pois em janeiro de 1990 fui viver para Lisboa, sendo obrigada a cortar o cordão umbilical que me ligou ao Orfeão, durante 9 anos, de uma maneira drástica e obrigatoriamente eficaz.

A TunaF deverá ter muitas histórias para contar mas, enquanto membro da sua primeira formação, só poderei destacar o quanto nos divertimos, o entusiasmo, a excitação de estarmos a preparar algo para fazer a tal serenata surpresa!

No aspeto pessoal não posso deixar de destacar um elogio que recebi, da parte de um então aluno da FEUP que, mais de 20 anos volvidos, me disse que nunca há de esquecer como a minha voz enchia o Coliseu ao cantar a “Queda do Império”…

Há meia dúzia de anos, a convite, voltei à TunaF para participar, pontualmente, em alguns festivais e atuações comemorativas como o 20º Aniversário ou o XXV FITU. O facto de a TunaF ter ganho alguns desses festivais comigo em palco e o carinho com que sempre me receberam, foram motivo de imenso orgulho e poder olhar para trás e verificar que de algum modo pude contribuir e fazer parte da sua história é sempre uma sensação indescritível!





6) Vista à distância, como enquadrar hoje a Tuna Feminina do O.U.P no contexto actual Tuneril?



Penso que a TunaF não tem, atualmente, uma vida fácil! A oferta para as estudantes é muita, variada e de qualidade. A vida académica é vivida de um modo mais apressado e não há tempo para se dela disfrutar como se fazia, por exemplo, no meu tempo.

Contudo, sem querer dizer se é bom ou mau, se tem vantagens ou desvantagens, a TunaF é e sempre foi, uma tuna diferente.

Ao longo dos anos tenho assistido a muitas atuações de tunas, a muitos festivais, e, desde logo me chocou ver as tunas femininas como uma imitação das tunas masculinas.

A TunaF tem primado pela diferença ao valorizar a harmonia vocal (ou não fosse ela saída de um orfeão!), ao primar pela feminilidade, pela postura que apresenta em palco, pelo resistir em fazer esquemas acrobáticos com estandarte ou pandeiretas com as outras, frequentemente, fazem.

Recentemente, tem introduzido um ou outro esquema de pandeiretas, normalmente muito subtil, pois os regulamentos dos festivais assim obrigam. No meu entender, é absurdo. Penso que a pandeireta deve ser encarada como um outro instrumento musical e o estandarte deve ser um elemento identificativo e não um objeto para acrobacias.

Por outro lado, a TunaF é um grupo artístico que faz parte do OUP e não pode nem deve ser dissociada dele.


Entrevista 11/10/2016

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