quarta-feira, 14 de maio de 2008

A Tuna no Porto entre 1890 e 1910

É defensável que foi nos anos 80 do século XIX que surgiu, de facto, a Academia do Porto.

Já existiam antes nesta cidade estudantes do que pode chamar-se ensino superior, pelo menos desde a fundação da Real Academia de Marinha e Comércio em 1803. Há mesmo referências desde os meados do século a pensões de estudantes, a cafés ou outros locais frequentados por estudantes, o que indicia que eles já seriam, como seria de esperar, um (sub)grupo social.

Nos anos 80 os académicos portuenses têm iniciativas que mostram uma assunção da ideia de Academia do Porto: o Hino Académico do Porto, com letra de José Leite de Vasconcelos e música de Aires Borges, que parece ter sido estreado em 1881; a Tuna Académica do Porto ; a própria Capa e Batina.

Resulta mais ou menos pacífica a noção de que a 1ª viagem de uma Tuna portuguesa, no caso a Espanha, foi realizada pela Tuna Académica do Porto, sob a direcção então de Raúl Laroze Rocha, que teve por destino Salamanca e Madrid, no ano de 1890 (e não em 1891 como é erroneamente dito em alguns quadrantes). Note-se que o ambiente vivido então na Academia do Porto, à época, correspondia a um fulgor sem par e sob aquela que ficou conhecida como a Geração do Ultimatum, conforme se pode atestar pelo texto abaixo:

"A Academia do meu tempo era convicta e entusiasticamente republicana, sob o impulso duma fé ardente nos destinos gloriosos da Pátria, mas a sua intervenção, mais teórica do que prática, mais de reacção do que de acção, era essencialmente doutrinária e evolutiva. [...]Estava eu no meu 2º ano médico quando se desencadeou, em 1889, o chamado movimento do Ultimatum que nascido gloriosamente na Academia do Porto rápido alastrou pelas demais Academias, numa onda de brio, de exaltação e de redenção." (fim de citação).

Trata-se aqui de uma referência à Liga Patriótica do Norte, segundo Rui Ramos "uma mistura de estudantes das escolas superiores do Porto, todos muito extremistas, de jornalistas republicanos e de muitas notabilidades locais do Partido Progressista". A Liga era uma das manifestações de revolta contra a cedência do governo português ao célebre ultimato britânico sobre o "Mapa Cor-de-rosa". Inicialmente dirigida por Reis Santos, Antero de Quental foi rapidamente eleito seu presidente. [ Cf. Rui Ramos, A Segunda Fundação (1890-1926) (6.º volume de José Mattoso (dir.), História de Portugal), s.l., Círculo de Leitores, 1994, págs. 43, 182, 301.]


Foi nesta época que nasceu de facto - embora careça de estudo mais aturado - a noção de Academia do Porto. Curiosamente é neste frenesim patriótico em que vivia a Academia que surgem provas inequívocas da participação tunante e estudantil no movimento anti-Ultimatum como atesta a capa da pauta do pasacalle “Amor da Pátria”, “Brinde aos Académicos do Porto” (referência ao movimento do Ultimatum), de Eduardo da Fonseca, que apresenta um desenho com vários estudantes de Capa e Batina.


O Jornal de Salamanca "El Adelanto" recebeu a 2 de Abril de 1890 o seguinte telegrama oriundo do Porto:

"Cien delegados academia portuguesa llegan á Salamanca el siete Abril y van tratar federación escolar de la península. Los miembros del Directorio de la Federación Académica portuguesa, Silvestre Falcao, Hyginio Sousa - Reis Santos. »

Como ven nuestros lectores por el telegrama anterior, es ya oficial la noticia de la visita que nos harán los estudiantes portugueses. Esperamos que Salamanca, observe en este acto la conducta que aconseja nuestra hidalguía y la reciprocidad, en los obsequios que los estudiantes españoles han recibido en Portugal. Creemos que todos los elementos de Salamanca y la masa del pueblo en general saludarán con el afecto que se merecen nuestros vecinos. En ello no está solo interesado el cuerpo escolar, sino España entera (...) " (fim de citação)

O mesmo Jornal informa a 5 de abril de 1890 , na página dois do mesmo que " Esta tarde á las dos y media, se reunirán en la cátedra de Fray Luis de León de esta Universidad, los estudiantes de las distintas facultades é instituto, con el fin de acordar los detalles del recibimiento, que han de hacer á sus compañeros los estudiantes de Portugal.


O periódico " El Fomento" informa, por sua vez, a 7 de abril de 1890 na 1ª página e página dois:

"Los estudiantes portugueses han anunciado su visita á los españoles en el siguiente mensaje:

«Camaradas: Después del insulto lanzado por Inglaterra á la faz del honrado Portugal, los estudiantes portugueses, alzados en un movimiento de patriótica protesta, recibieron de sus colegas de Europa las más gratas pruebas de adhesión y simpatía. Entre todos, se distinguieron como siempre, por la espontaneidad conque nos brindaron su concurso, los hijos de la hidalga España, algunos de los cuales, trasponiendo la frontera, vinieron á traernos un abrazo fraternal y á confirmarnos su solidaridad cariñosa. Desde entonces fué constante deseo para los estudiantes de Oporto el manifestar su gratitud á los caballerescos colegas españoles; pero ocupados en los trabajos de la federación académica portuguesa, no han podido hasta ahora determinar y anunciar su visita á las Universidades de Salamanca y Madrid. El numeroso grupo que se dispone á estrechar todo lo posible las ya cordiales relaciones entre los universitarios de la Península sale el lúnes 7 de este mes para Salamanca, de donde pasará á Madrid tras una corta demora. Contando de antemano con vuestra adhesión, os pedimos que presteis apoyo á la comisión de la estudiantina que llegará á Madrid el día 9 por la mañana. El presidente de la comisión de propaganda de La Academia de Oporto.- Jerónimo Moreira.»

"Anoche presenciamos en el teatro del Liceo el espectáculo más hermoso que podíamos imaginar. Se deslizaba la función tranquilamente, y sin un aviso que lo anunciará, presentóse en la sala la comisión que precede á los estudiantes portugueses, y expontáneamente, con el mayor entusiasmo, el numeroso público se levantó y saludó con ardorosos vivas á la juventud portuguesa. La representación se suspendió, pero el espectáculo resultó más brillante. Los estudiantes portugueses, presentados por el señor Huebra, aparecieron en un palco, y desde allí dirigieron la palabra al público, produciendo delirante entusiasmo, que se manifestaba con vítores á Portugal, á España y á la federación ibérica. Después continuó la función saliendo el público vivamente impresionado, que en su mayor parte acompañó á los estudiantes hasta la Fonda del Comercio." (fim de citação)

Mais tarde, no Carnaval de 1897, realiza nova digressão a Espanha, apresentando-se em Santiago de Compostela, sob a regência de Carlos Quilez. Em 1898 esteve a Estudantina Académica do Porto em Salamanca.


Em 1899, participa nas comemorações do primeiro centenário do nascimento de Almeida Garrett, sob direcção de Henrique Carneiro. Passado um ano, em Janeiro de 1900, a Tuna instala-se na rua dos fogueteiros e da regência encarregam-se, sucessivamente, os maestros Sousa Morais e Costa Carregal.

Apresenta-se em Março, perante a Academia do Porto, e efectua vários recitais em Lisboa. Em 1902 visita a Galiza, onde mais tarde tornará, em 1909, já sob a direcção de Prazeres Rodrigues.
Faziam parte do reportório, entre outros, a "Serenata de Gounod", A Gioconda e Entreacto da "Carmen".


Em 1905 a Tuna Escolar do Porto realizou nova viagem com o intuito de através dos seus concertos recolher fundos com vista à criação de uma biblioteca para estudantes pobres, voltando a repetir a digressão com o mesmo intuito em 1908. No decurso desta visita deram-se algumas altercações motivadas pela falta de liquidez na hora de pagar um carro e por uma divida deixada num hotel da cidade.



Fontes:
Roberto Martinez del Rio
http://www.geocities.com/portoacademico/
http://www.oup.pt/

Tuna Académica do Porto 1897

Tuna Académica Porto, 1897 Repare-se no número 55, Álvaro de Sousa e sua legenda......